sábado, 8 de abril de 2017

PADRE HELÊNIO


A cultura grega, dita Helênica, sempre foi uma olaria de esplendor e um farol referenciador para as demais civilizações. A partir da combinação entre solenidade e profundidade, ética e estética, nobreza e beleza, os gregos erigiram monumentos à virtude e edifícios ao humanismo assentados nas colunas do equilíbrio, da harmonia, da ordem e da moderação.

O estuário simbólico lapidado pelos gregos – o panteão mitológico, o encadeamento arquitetônico, o exercício compreensivo da polis e o manancial filosófico – tinha uma razão e um sentido, um leito a ser percorrido e uma foz a ser atingida: o enobrecimento da humanidade.

Tivemos, entre nós, até o último 17 de janeiro, um varão que encarnava a Cultura Helênica. Aliás, era Helênico até no nome: José Helênio Oliveira Pereira. E o nome diz muito sobre ele. José, nome bíblico, que auspiciou o pai de Jesus, significa “aquele que acrescenta”. Helênio, de Helênico, do grego hellenizein – quer dizer ‘viver como os gregos’. Oliveira (em hebraico zayit, que significa oliveira, azeitona), é uma árvore de profundo significado espiritual. As oliveiras, que rodeiam as montanhas na Galileia, Judeia e Samaria, são constantemente citadas nas Sacras Escrituras, inclusive no Evangelho, que menciona o Cristo no “Monte das Oliveiras”. Pereira, originalmente “árvore que produz peras” e, entre nós, madeira de boa qualidade.

O Padre Helênio absorveu os pontos cardeais do antropônimo. Como um bom José, acrescentou e muito, pois poeta, aprendeu que ‘o amor reparte, mas sobretudo acrescenta’. Helênio cultuou a cidadania plena, como os gregos da antiguidade, que beberam no nascedouro da democracia. Este Oliveira, assim como a árvore do mesmo nome, que cresce e vive bem sob qualquer solo, mesmo pobre e seco, brindou o mundo com o azeite da fecundidade. Era um legítimo Pereira, tronco que se fez piano nos templos da Diocese de Crateús, produzindo litúrgicos hinos de amor.

O decano da Diocese do Senhor do Bonfim cantou ou chorou inicialmente sob a brisa do rio Acaraú, na cidade de Cariré, no dia 15 de abril de 1929. Era fino nos modos e nobre nos pensamentos. Apreciava a Boa Nova, da qual se fez Mensageiro, e adorava compor partituras poéticas. Recebeu a unção sacerdotal do bispo-conde de Sobral, D. José Tupinambá da Frota, no abençoado dia 08 de dezembro de 1953.

Padre, após uma rápida passagem pela paróquia de Senador Sá, foi arrastado da ribeira do Acaraú para a ribeira do Poty, na qual se hospedou por toda a existência terrena.

Com a visão dilatada e a sensibilidade convivencial dos grandes homens, nadou com habilidade em meio às correntezas e os redemoinhos ideológicos do período inicial mais crítico da Diocese de Crateús. Afastou as ondas tempestuosas e as turbulentas intempéries segurando o cajado da serenidade.

Guardo dele um episódio fraterno, um diálogo afável. Era o dia 11 de setembro de 1985. Estávamos na calçada do Palácio Episcopal e mirávamos as torres da Catedral. Após um momento de silenciosa contemplação, iniciamos uma fala sobre a invisível catedral da poesia. Indagou-me se eu estimava uma moldura especial de poema, constituído de dois quartetos e dois tercetos, denominado Soneto. Disse que sim. (Soneto, para mim, é uma gaiola dentro da qual o pássaro é desafiado a cantar a liberdade do voo). E ele me instigou: - vamos compor um soneto às torres da Catedral?! Concordei. E ele disse: vou iniciar com a primeira estrofe e você continua... Ei-lo:

“Olho no além, vejo distante
Duas torres brancas apontando os céus
Braços erguidos numa prece a Deus
Sentinela altiva de um Povo Orante!

Oh! torres brancas, de almas puras,
Formosas e eretas, como palmeiras
Desta cidade, de verdes cabeleiras
Apalpais sonhos e arquiteturas!

Olho aqui perto, miro com emoção
Se despetalando em luta luminosa
Um pequeno povo que ama a Canção!

Saberá alguém dos segredos da rosa,
Ou o que, na meditação silenciosa,
As brancas torres têm no coração?!!!”

Pulsante e imóvel, tal qual a muda sonoridade da inventividade, dormita, no sacrário da minha memória, aquele instante fecundo, como a fotografia de um relâmpago de criatividade. Jamais olvidarei aquele dia, o dia em que tive, de um sacerdote, a resoluta parceria para abençoar o pão e vinho da poesia!

(Júnior Bonfim, janeiro 2017)

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