sábado, 8 de abril de 2017

FIDEL!


Quando, pela vez inicial, senti o perfume do estrume, embriaguei-me com o aroma do nosso bioma e mirei a ferradura de serra que enfeita a minha terra, a extensão do nosso planeta se resumia, do ponto de vista geopolítico, a uma construção bipolar: de um lado, os Estados Unidos da América (EUA) e, do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Esses dois países, que despontaram após a segunda guerra mundial como as maiores potências globais – o primeiro, expoente do capitalismo; o segundo, do comunismo - detinham a hegemonia e apresentavam grande influência política, econômica e militar sobre o conjunto dos humanos, interferindo nas relações políticas de todo o planeta.

Essa repartição do mundo em duas correntes distintas e antagônicas influenciou sobremaneira o modo de agir e de pensar das pessoas. Éramos, sem o saber ou compreender à época, seguidores de uma religião extinta: o maniqueísmo.

O Maniqueísmo foi uma doutrina inaugurada por um profeta persa denominado Maniqueu (Manes ou Mani, no original). Sua filosofia religiosa, sincrética e dualística, se resumia em dividir o mundo simplesmente entre Bom (= Deus), e Mau (= Diabo).

Essa maneira simplista e reducionista de ver as pessoas e o mundo contaminou irremediavelmente a humanidade no período bipolar. Essa conformação binária da existência se refletiu de maneira avassaladora sobre a política. Aos olhos da juventude, em especial, predominava a rotulação extremista: direita e esquerda. Direita, encarnação diabólica, reprodução das trevas; Esquerda, manifestação divina, explosão de luz.

Sob a crepitação das brasas da adolescência, não tive dificuldade em optar pelo segundo lado, que considerava mais justo. Nossa consciência vivia aparentemente mansa, pois cultuávamos aquilo que para nós eram verdades absolutas. Exaltávamos os dogmas, as definições que nos eram impostas pelos iluminados líderes e que nos cabia aceitar sem discussão. É como se, apegados a um dogma, estivéssemos tranquilos, à sombra de uma árvore colossal. Uma dessas ‘verdades absolutas’ era a de quem fosse de esquerda tinha sempre razão. Olvidávamos de pôr a mão na algibeira da razão, agíamos pelo combustível do impulso ou embalados pelas notas sedutoras da emoção.

Foi nessa atmosfera dominada pela passionalidade que surgiram cones e ícones da esquerda latino-americana, como o recém-falecido advogado Fidel Alejandro Castro Ruz, o Fidel Castro.

Para emitir minha modesta opinião sobre essa lenda e legenda cubana, relembro aquele que Carlos Drummond de Andrade nominou como o maior poeta do Brasil. Gerardo Melo Mourão disse que cultuava ideias, mas abominava ideologias. As ideologias escravizam; as ideias libertam.

Descobri que é possível nos libertarmos das colocações binárias de tipo maniqueísta. Logo, podemos admirar ou respeitar uma figura histórica, sem descurar de evidenciar seus equívocos.

Fidel Castro, no campo da Justiça Social, foi um líder revolucionário que animou a utopia de um País socialmente justo.

No terreno das liberdades públicas, infelizmente foi caudatário do autoritarismo, incapaz de conviver respeitosamente com quem divergia da sua compreensão de mundo. Injustificável, sob qualquer ângulo sério, sua gana pela perpetuação no poder.

Como bem descreveu um cubano radicado no Brasil, ele “foi um pai severo, que deu saúde e educação para os filhos, mas não lhes permitiu que trilhassem o próprio caminho”.

Foi, portanto, um ser contraditório: trágico e portentoso, avançado e reacionário. Aliás, como a maioria dos líderes gerados em nossa Latino-América...

(Júnior Bonfim, novembro de 2016)

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