quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

DISCURSO DE MARCOS VILAÇA



Primeiramente ofereço agradecimento. O TCU é reconhecido ao que nos legou a Presidência de Walton Alencar Rodrigues. Inovação, altivez, respeito à tradição são ingredientes que manejou com habilidade de um homem prudente e determinado.

Recolhemos o que nos deu em dois anos férteis de inventividade, no plano tecnológico e na vertente patrimonial.

Seus colegas querem lhe dar um categórico muito obrigado. Todo o TCU lhe rende loas e põe uma rosa nas mãos de Isabel, sua esposa, pelo suporte familiar garantidor da sua tranqüilidade para o trabalho.

Como dizem os jovens, valeu, Presidente Walton.

Agora, falo para o outro Presidente, Ubiratan Aguiar,

Tenho a intenção de evitar o uso de palavras que considero cansadas, com perda de substância, anêmicas porque esvaziadas na gastança do dizer, perdidas do viço da validade.

Das árvores pintadas, as folhas não caem, nem os brotos frutificam.

O novo Presidente, os Ministros, a ilustre platéia que nos honra com a sua presença, não carecem de que eu fale do significado da Corte. Todos sabem o que definiu Rui Barbosa: Tribunal de Contas é “corpo de magistratura intermediária à Administração e à Legislatura” e que, “colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças”, deve “exercer as suas funções vitais no organismo constitucional.”

Rui Barbosa disse tudo e o essencial, ou seja, onde se situa esse ente autônomo, revisor e julgador, inerente à democracia.

Não preciso dizer o mesmo de outro jeito, nem propor explicações diferentes do que seja controle externo, convivência com os Poderes da República, respeito aos compromissos com a cidadania e ter por objetivo exponencial o indispensável zelo por uma teoria da qualidade do serviço público.

Queremos escutar o Ministro Ubiratan Aguiar dizer de como comandará a nossa interface com outros órgãos de controle, para ganhos em efetividade, economicidade e eficácia. Dizer de como intensificará medidas de combate à corrupção, mas também ao desperdício que é silencioso, perante o Estado. Dizer de como insistirá numa teoria da qualidade no serviço público, a fim de cortar a amargura de identificar crimes e punir culpados.

O novo Presidente, como o seu competentíssimo Vice-Presidente, Benjamin Zymler, sabem disso muito bem. Não necessitam de ouvir de mim o que conhecem ainda melhor.

Ademais, quem sentou neste cadeiral de provações, muito mais que de predicamentos, tem ciência dos direitos e deveres embutidos numa Corte de Contas, seja no que está a cargo do seu corpo deliberativo, seja na responsabilidade dos diversos níveis técnicos. Do Ministério Público, nem se faz necessário exaltar-lhe a sabedoria e a probidade. Esta é uma louvação constante e crescente.

Estimo lhe dizer, Presidente, outras coisas que desfilam na minha cabeça de decano da Casa, um provecto servidor público, animadíssimo por esta fase da vida em que não usa os espartilhos da conveniência e experimenta a dor e a delícia da língua solta. Etapa em que também lhe é facultado trafegar com a experiência aprendida no espetáculo da vida.
Quero ser um língua solta que reage ao mesmo. Não suporto mais ouvir ou dizer o mais do mesmo. Nem tenho necessidade disso. Tenho é precisão de mais e melhor conhecer o outro. É de respeito ao outro que o mundo tem precisão. Conhecer o outro é imprescindível. Ademais, estamos no século do conhecimento e exatamente hoje se comemora o 60º aniversário da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, vale dizer, do outro.

Li, no evangelho de hoje, segundo Mateus: “Naquele tempo, tomou Jesus a palavra e disse: ‘Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”

Como será bom que o novo Presidente, que tem toda a competência para fazer um chamamento dessa espécie, tenha as condições de proclamá-lo, pois seu conhecido instinto de homem público, há muito completou-se em consciência.

Santo Agostinho falou que a memória é a casa da alma e Pascoal completaria ao dizer que o futuro é a aurora do passado.

Apelo à memória do novo Presidente, homem provado em espumas e areias lavadas de sal e sol. Homem que sabe que a gente fica, ainda que a gente vá.
Apelo ao novo Presidente para, da cadeira em que sentou, com tanto merecimento, atente às suas origens.

Pouco tempo terei ainda de Casa. Por isso, vejo rara essa oportunidade de repetir alto e bom som, como obsessão ostensiva, que o Nordeste brasileiro nunca será um capítulo de pessimismo, nem é apenas paisagem, além de que o nordestino não pode ser condenado a ser apenas gente do pouco. Merecemos ser, quando não gente do muito, pelo menos gente remediada.

Não posso perder esta oportunidade. Digo com consciência, algum desconforto e entalado entre o ontem e o amanhã, no entanto, jamais desiludido.

Carecemos da nossa terra, como origem e destino. Temos responsabilidade com ela.

Este começo de milênio pode ser adequado instante seminal para as propostas de maior dinamização da estratégia de seu planejamento. Espera-se que a complexa realidade do sistema social, dos desequilíbrios, a parte que a Região representa de um todo maior – o sistema social – tudo seja melhor considerado. E que a sua inserção no sistema nacional se faça de modo funcional e convergente, sem perda dos nossos avanços, como o de reduzir a miséria.

A consciência nacional precisa extinguir de vez por todas com as tentativas insidiosas de nela se implantarem “mitos incapacitantes” com relação ao Nordeste, como região, e ao nordestino, como povo.

Extinguir também os clichês mentais depreciativos sobre o Nordeste: o de que o seu desenvolvimento auto-sustentado é impossível; o de que, no semi-árido, a agricultura é inviável; o de que os recursos públicos destinados à Região são invariavelmente malbaratados; o de que a população regional degrada-se rapidamente em sub-raça de nanicos ociosos e imbecilizados.

As outras regiões não podem ignorar que o Nordeste responde aos incentivos à industrialização com desempenho satisfatório; que a agricultura moderna, no semi-árido, é factível tecnicamente e rentável economicamente; que a Região pode evoluir significativamente no social.

Lembra bem o professor Roberto Cavalcanti de Albuquerque: “o ideário que deve orientar o projeto do Nordeste precisa transmitir mensagens positivas: de integração do sistema regional no sistema nacional que seja mutuamente benéfica; de compatibilização de interesses; de transmissão inter-regional do desenvolvimento reciprocamente fertilizante”.

E acrescento: uma política nacional de desenvolvimento sem este ajuste seria injusta, inócua, incompetente e até inconstitucional.

É frase do novo Presidente ao discursar na sua Academia de Letras, em Fortaleza: “Integramos o mundo da opulência e o submundo da exclusão”.

Pois, Presidente, tiremos, com palavra e gesto, os conterrâneos da exclusão. Sua mãe, dona Liguinha, Terezita – a esposa, filhas e netos, todos contam que prossiga a sua trajetória de serviços à Região e à Pátria. Quando Vossa Excelência empossou-se naquela Academia disse estar em busca da leveza do viver. Agora, esta Presidência que assume não tem nada de leveza. É lugar para as ardências incendiadas com as brasas do sol. Nada demais para quem veio dos salgados sertões do Cedro, aboiando nas pradarias do semi-árido até refrescar-se nas brisas das praias, na “Fortaleza, a loira desposada do sol”.

Um seu conterrâneo e colega – colega poeta – falou que são “longos os caminhos para os pés dos homens” e versejou: “E se acaso caímos/ no chão os nossos dedos/ começam a replantar a rosa da esperança”.

Cuide dessa rosa, Presidente. Aproveite os mesmos engenho e arte de que se utilizou como professor, advogado, vereador, deputado estadual e federal, secretário de Estado, autor e relator de leis da sua idéia fixa, que é promover a interação entre educação e os diferentes contextos culturais.

Tudo isto o fará feliz, já que o vascaíno, coitado...

Feliz como se sente ao versejar, ao produzir letras para belas canções. Seus versinhos de circunstância são tão temidos quanto os Votos judiciosos e ricamente doutrinários. Há quem os tema como o diabo teme a cruz.

Nós, nordestinos, não somos gente só do mandacaru. Somos também jangadeiros, pois sabemos que o mar nos ensina lições de leme para conhecer mais e lições de âncora para os padrões de fidelidade.

Como as amarras só vêm depois do movimento, Ubiratan Aguiar haverá de ser ainda mais leme e âncora para o TCU.

Seu amigo fiel e admirador incondicional, o colega Ministro Valmir Campelo, sempre nos adverte para o tanto que o novo Presidente tem de pessoa irresistivelmente sedutora. Pois exerça também esses atributos de sedutor na servidão jubilosa da Presidência.

A Presidência obriga o ocupante ao descompromisso com calendários, pois é juramento para o dia todo, todos os dias. É não esquecer. É só lembrar.

De agora em diante, a Presidência não será o seu cargo. Passa a ser o seu sentimento.

E não esqueça de que quando chegou aqui, trouxe no bisaco o “Siará Grande”. Trouxe a Medalha da Abolição, Matias Beck, a “Padaria Espiritual”, Pompeu de Sousa Sobrinho, a lagoa do Mondubim, Paula Nei, Tomé da Mota e o bonde de burro, o cego Aderaldo, Leonardo Mota e Leonardo Mota Neto, o açude de Orós, Gerardo Mello Mourão, Adriano Espínola, Fagner, Figueiredo Filho, Rodrigues de Carvalho, o grupo Clã, os craques Jardel e Mauro, os “japoneses” de Fujita.

Também, no mesmo matolão, outras exemplaridades: São Francisco de Canindé, Mestre Noza, Geraldo Vasconcelos, o hotel Excelsior, o então padre Hélder – o sempre Dom do Amor, o Barão de Studart, a bela Emilia – miss Brasil, a fazenda “Não me Deixes”, Natércia Campos, o Ideal, Ari Cunha, Fernando Cesar Mesquita, Antônio Martins, Efraim Almeida – notável artista contemporâneo, Edson Queiroz, a revista “Maracajá”, o cinema Majestic, Farias Brito, o Seminário da Prainha, Juvenal Galeno, Hermenegildo Sá Cavalcanti, Ilka e Carlos Alberto Cabral Ribeiro, Antônio Bandeira, Auxiliadora Lemenhe e aquele alfaiate Girão, que aparece em livro de Lustosa da Costa, dizendo-se “geômetra do corpo e poeta do pano”.

E não faltaram na bruaca: Herman Lima, Raimundo Girão, Chico da Silva, Liberal de Castro, Xico Sá, Martins Filho, o Boticário Ferreira e a sua praça, tão feinha, Pinto Martins, o Capitão-Mor Soares Moreno, Paulo Cabral, Chico Anísio, os Holanda, a serra da Ibiapaba, os Inhamuns, o Cariri brabo, Nertan Macedo e os seus cangaceiros, A Beata Maria do Egito, Castello Branco e um caprichado, além de numeroso, conjunto de homens públicos, de Presidente da República e Presidentes de Bancos, Senadores, Deputados, Governadores, Ministros de Estado, Embaixadores.

No matolão estão também os indispensáveis, que retiro da batéia da alma acadêmica: Franklin Távora, José de Alencar, Araripe Júnior, Clóvis Bevilaqua, Gustavo Barroso, Heráclito Graça, R. Magalhães Júnior, a comadre Rachel de Queiroz.

Eduardo Campos me ensinou com versos de José Bernardo da Silva, de que ao falar no “Padim Ciço”, e quero falar nele, fizesse pontuação. Pois faço pontuação, repito José Bernardo e falo do do Taumaturgo do Joazeiro:

“Leitores agora aqui
Eu faço pontuação
Feliz daquele que tem
Jesus em seu coração
E também todo momento
Guarda no seu pensamento
Padrinho Cícero Romão”.

Outra pontuação é para louvar os primórdios do abolicionismo, antecipação cearense. Nabuco, entusiasmado, proclamou, em 1884: “O que o Ceará acaba de fazer não significa por certo ainda O Brasil na Liberdade; mas modifica tão profundamente o Brasil da Escravidão, que não se pode dizer que a sua nobre província não nos deu uma nova pátria”.

Tenho as mãos cheias do patrimônio cearense e me orgulho, sem vaidades, de dizer que deixei minhas impressões digitais de administrador nas obras culturais de recuperação e valorização do seu patrimônio histórico: no mercado de Aquiraz, na igreja de Almofala, no açude do Cedro; no tombamento dos Centros Históricos de Sobral e Icó.

Impressões digitais, de igual sorte, no plano da política de efetivo desenvolvimento social, pela implantação de Centros Sociais Urbanos, de Módulos Esportivos, de creches e Centros de Convivência de Idosos, estes últimos, uma criação de grande inventividade de Maria do Carmo, minha mulher, de Marly Sarney e da socióloga Tereza Duere, nos áureos e heróicos tempos do PRONAV/LBA, abatidos em má hora por preconceitos, desconhecimento e um tanto de mesquinharia.

Quando a isto me refiro cuido apenas de reluzir valores que o tempo nos indica.
Um povo que cresce não pode destruir a sua alma, ignorando suas referências aos predicamentos da justiça histórica e aos xodós do afeto coletivo.

Não desejei como saudante, Senhor Presidente Ubiratan Aguiar, fazer outra coisa nesta hora que já não esteja nestes versos de Patativa do Assaré:

“E ôtra coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra
As coisas de minha terra
E a vida de minha gente”

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