quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

DISCURSO DE POSSE DO MINISTRO UBIRATAN AGUIAR



Há aproximadamente oito anos cheguei a este Plenário pela vez primeira, por ocasião de minha posse como Ministro do Tribunal de Contas da União. Na oportunidade, fui saudado pelo eminente Ministro Valmir Campelo, que em suas palavras destacou o papel da Corte de Contas no contexto das mudanças a que estavam sendo submetidas as instituições públicas naquele momento em que se rediscutia o papel do Estado.

Pensei ter compreendido a amplitude da questão que me fora então colocada. No entanto, não via eu, à época, senão um esboço dos enormes desafios e responsabilidades que me aguardavam. Atuar como guardião do controle externo de um país superlativo como o Brasil é tarefa das mais complexas, como logo pude perceber.

Procurei, nesses anos, vencer os desafios que me foram apresentados seguindo os princípios que me guiaram ao longo de toda vida.

Sou cearense, natural do Cedro. Cunhei minha personalidade a partir do amor familiar e das dificuldades inerentes ao homem pobre do nordeste do Brasil.

Do amor, extraí a poesia, que transforma em belo tudo que se me apresenta e transmuta o cotidiano em uma jornada de permanentes emoções.

Da pobreza, adquiri o hábito do trabalho incessante, que iniciei já aos quatorze anos para auxiliar no sustento da casa.

Da conjugação do carinho que sempre se fez presente e da dura realidade da vida ao meu redor, resultou o ambiente ideal para que prosperasse minha formação humanista, traço característico de minha personalidade.

Vi e vivi o sofrimento de tantos conterrâneos, gente simples que carrega consigo pouco mais de uma refeição por dia e uma bagagem de esperanças de uma vida melhor, que na maioria das vezes não vem. Desse tempo, trago comigo uma frase de Gabriel Garcia Marques que diz: “um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”.

Como humanista que me defino, pautei minha vida pelos direitos fundamentais, expressos primeiramente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas no ano de 1948, coincidentemente também no dia dez de dezembro.

Aliás, quis o Criador que a teia do destino por ele traçada fizesse com que esta minha cerimônia de posse ocorresse no dia dez de dezembro, tão significativo para a humanidade e, em particular, para mim mesmo. Além da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi em dez de dezembro de 1964 que Martin Luther King recebeu o Prêmio Nobel da Paz, tornando-se a pessoa mais jovem a merecer tal distinção. O mesmo Nobel da Paz foi entregue, novamente em dez de dezembro – desta feita em 1984 –, ao bispo Desmond Tutu, da África do Sul, por sua proposta de uma sociedade democrática, justa e sem divisões raciais em seu país.

Doze anos mais tarde, também em dez de dezembro, Nelson Mandela assinou uma nova Constituição e pôs fim ao regime racista do Apartheid na África do Sul.

E, por fim, há exatos dez anos, o escritor português José Saramago, gênio do idioma pátrio, recebeu o Prêmio Nobel da Literatura, pela primeira vez concedido a um autor de língua portuguesa.

Deus não poderia ter sido mais generoso ao brindar-me com esta data.

Militei na política por diversos anos. Iniciei meus passos como Presidente do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, vindo a eleger-me vereador, deputado estadual e federal.

Paralelamente, exerci, por alguns períodos, a função de Secretário de Administração Municipal de Fortaleza e Secretário Estadual de Educação do Ceará, área de minha paixão, à qual dediquei alguns de meus melhores esforços.

O ápice de meu contentamento, na vida política, foi a assinatura da Carta Constitucional de 1988, que reinseriu o Brasil nos rumos da democracia e contemplou diversos dos princípios declarados pela Organização das Nações Unidas naquele dez de dezembro de 1948.

Em meus dias de deputado constituinte, tive a singular oportunidade, juntamente com colegas da maior expressão como Florestan Fernandes, João Calmon, Otávio Elísio, Artur da Távola e Jorge Hage, dentre tantos outros, de escrever o Capítulo da Educação e Cultura de nossa Lei Maior.

Ao longo destes anos vividos no Tribunal de Contas da União, busquei aprender. Deliciei-me com as observações argutas de Marcos Vilaça; bebi da enorme prática administrativa de Valmir Campelo; espanquei minhas dúvidas com os ensinamentos jurídicos de Walton Rodrigues e Benjamin Zymler; revigorei-me com a energia e vivência de Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro; ouvi atento à boa técnica sempre ensinada pelos Auditores Augusto Sherman, Marcos Bemquerer e André Carvalho; dediquei-me a bem compreender as sensatas ponderações dos membros do Ministério Público, chefiado de forma competente por seu Procurador-Geral Lucas Furtado. Isso sem mencionar as lições extraídas do convívio com outros expoentes que me foram contemporâneos neste Plenário e que hoje nos honram como Ministros e Auditores eméritos: Humberto Souto, Adylson Mota, Guilherme Palmeira, José Antônio Barreto de Macedo e Lincoln Magalhães da Rocha. Sem esquecer, ainda, a genialidade de Bento Bugarin, que já não mais se encontra entre nós.
Também muito aprendi com os servidores da Instituição, os quais fiz questão de conhecer de perto, de forma que posso, hoje, testemunhar de sua elevada competência e engajamento profissional.

De todos, ouvi relatos e experiências. Aprendi, dessa forma, muito mais a respeito dos assuntos ligados a nossa Instituição. Brindaram-me com idéias e sugestões, cuidadosamente anotadas, pensadas e discutidas, diversas das quais pretendo implementar.

De todo o aprendizado colhido, restou a certeza de que os sucessos inerentes à administração privada podem ser, também, corriqueiros no âmbito do setor público, desde que este, a exemplo daquela, confira aos mecanismos de controle a importância que lhes é devida, seja como meio de avaliar seu produto final ou o próprio desempenho e qualidade de seu pessoal.

Hoje sinto, ao chegar à Presidência do Tribunal de Contas da União, um misto de contentamento e apreensão. Um dualismo caracterizado, por um lado, pela satisfação de poder servir e por capitanear um dinamismo organizacional no qual verdadeiramente acredito; em outro prisma, tenho, no entanto, a certeza de que as demandas que são dirigidas a esta Corte superam em muito a capacidade operacional da instituição e gozo da convicção de que as ações de controle externo nem sempre são devidamente compreendidas pelos gestores públicos.

Esta é a Casa que por conhecê-la aprendi a amá-la para tornar-me cativo e servo de sua missão, parafraseando a poética de Exupery. Esta é a Casa à qual se assentam as palavras de Paulo Freire: “Não há saber menor ou saber maior, há saberes diferentes”. Na beleza da heterogeneidade é que construímos decisões homogêneas, equilibradas, oferecendo à sociedade, como resultado, o cumprimento da missão constitucional que nos foi dada para exercitar tecnicamente o controle externo.

A história deste órgão mais que centenário demonstra que não foram poucas as vezes em que o descontentamento de alguns incomodados tentou silenciar o ideário de Rui Barbosa. A instituição, todavia, nunca sucumbiu. Serzedello Corrêa e tantos outros que o sucederam mantiveram vivo o ideal republicano da existência de um órgão de controle livre e autônomo, com jurisdição sob os atos e fatos administrativos praticados pelos integrantes dos três poderes da União, sem a nenhum deles se subordinar.

Não buscamos, no Tribunal de Contas da União, os holofotes da mídia.

Temos todos os Ministros a convicção de que do TCU são esperados trabalhos calcados em sólidos elementos técnicos, em boas fundamentações jurídicas e em adequadas percepções da relevância sócio-econômica das questões discutidas. É para isso que existimos e são essas as bandeiras que irei defender.

Busco a serenidade nos relacionamentos institucionais, sem que isso signifique o abandono da defesa das causas e pontos de vista que são próprios do TCU.

Do mesmo modo, atuarei com firmeza no combate à má utilização dos recursos públicos, mormente ante a escassez que deverá decorrer da crise mundial que se avizinha.

Na condução das atividades do Tribunal de Contas da União, serei ferrenho defensor da construção de pontes institucionais. Solitários, somos todos pequenos e impotentes. Solidários, multiplicamos nossas ações e adquirimos condições de exponencializar resultados.
A divisão de poderes de Montesquieu, viva em nosso ordenamento jurídico, não implica na existência de lados antagônicos, mas de faces diferentes de uma mesma construção. Os três poderes, harmônicos, são como os lados de uma pirâmide que se amparam mutuamente. Se um deles ruir, desabam também os outros dois e a pirâmide inteira se desfaz.

Independência não significa exclusão. O Poder Legislativo executa e julga; o Executivo julga e legisla; o Judiciário executa e legisla. As funções preponderantes de cada um são, no dia-a-dia, conciliadas com outras acessórias que lhes são necessárias.

Dentro desse contexto vejo o Tribunal de Contas da União, trabalhando de forma harmônica com os órgãos e entidades da pública administração em prol da busca da qualidade dos serviços públicos, quer mediante o aprimoramento dos processos operacionais de cada área ou pela detecção das ilegalidades que minam o estado democrático de direito que nos prestamos, todos, a defender.

O Tribunal de Contas da União oferece toda a expertise acumulada aos órgãos e entidades que lhe são jurisdicionados, com a marca da impessoalidade, economicidade e transparência.

Da integração pretendida, almejo conferir especial atenção à formação de uma rede de controle que seja capaz de integrar os diversos órgãos públicos que atuam, direta ou indiretamente, nas diferentes áreas de fiscalização. Parcerias com a Controladoria-Geral da União e os órgãos de controle interno dos poderes Legislativo e Judiciário são consideradas fundamentais, assim como também com os Tribunais de Contas estaduais e municipais.

A troca de informações com o Ministério Público, a Receita Federal, o COAF e o Banco Central do Brasil, dentre tantos outros órgãos, não pode ser vista como algo inusitado, sujeito a interpretações legais as mais restritivas. Afinal, somente àqueles que atuam contra o Poder Público interessam as restrições que nós mesmos nos impomos.

Como disse Antoine de Saint – Exupéry,

“Na vida, não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e, então, a elas seguem-se as soluções.”

Criemos essas forças com a reunião de nossos esforços e as soluções às nossas dúvidas e angústias se apresentarão.

Como educador que sempre fui, vejo com muita propriedade o exemplo dos Presidentes que me antecederam na importância conferida ao papel pedagógico desempenhado pelo Tribunal de Contas da União, atuando na formação dos gestores públicos ou colaborando com órgãos congêneres, mediante o repasse de técnicas de auditoria e de outras ferramentas que já se incorporaram ao nosso modus operandi.

O sucesso das diversas instituições públicas somente será pleno se acreditarmos, todos, em um mesmo projeto. É importante que as altas autoridades aqui hoje presentes ou representadas vejam o Tribunal de Contas da União como um aliado e percebam nossas ações como oportunidades de melhoria.

Para exemplificar a relevância das atividades desenvolvidas nesta Casa, no ano de 2007 os benefícios financeiros diretos relacionados à atuação do TCU chegaram à cifra de R$ 5,5 bilhões. A atuação prévia deste Tribunal, mediante a expedição de medidas cautelares tendentes a resguardar o erário, envolveram, naquele ano de 2007, R$ 7,9 bilhões. Neste ano de 2008, apenas os trabalhos relacionados à área de energia resultarão em uma economia para os cofres públicos e consumidores da ordem de R$ 3,7 bilhões.

Os exemplos existem em abundância. Os resultados apresentados pelo Tribunal de Contas da União não podem ser desprezados ou relegados a um patamar inferior.

É importante que o Poder Legislativo seja um permanente usuário de nossos serviços e informações. É desejável que o Poder Executivo, grande braço encarregado da implementação das políticas públicas, recolha as orientações e determinações expedidas pela Corte de Contas como contribuição para aperfeiçoar a res pública. É fundamental que o Poder Judiciário, do qual não escapa a apreciação de lesão ou ameaça a direito, bem conheça este nosso Tribunal, com suas competências próprias e privativas e seus ritos processuais por vezes diferenciados.

Ilustres autoridades que prestigiam a esta cerimônia e que me honram com suas presenças, Jean-Paul Sartre dizia que “o homem tem de se inventar todos os dias”. Assim também são as instituições: para que sejam perenes precisam estar em constante processo de reinvenção.

Neste mister, suceder ao Ministro Walton Alencar Rodrigues será tarefa das mais árduas. Sua Excelência soube, como poucos, fomentar um processo abrangente de rediscussão de nossa instituição, cujos resultados começam agora a florescer. Recebo de sua gestão estudos compondo um portfólio de sugestões que representam inestimável contribuição ao controle externo.

Ministro Walton, congratulo-o pelo excelente trabalho desenvolvido ao longo de sua gestão.

Sei que tenho, neste Tribunal, fama de irrequieto. Agito-me quando vejo prazos descumpridos, solicito a realização de tarefas simultâneas daqueles que comigo trabalham, tenho o telefone como um aliado e o uso por todo o tempo... não deixo, enfim, para amanhã o que posso fazer no dia de hoje.

Esse é meu estilo de vida e será, provavelmente, meu estilo de administrar: com diálogo, assertividade, abertura, trabalho, trabalho... e trabalho, pois como dizia Charles Chaplin, “o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é o dicionário”

Terei ao meu lado, nesta difícil missão, a serenidade, o equilíbrio, a competência e a disponibilidade em servir do eminente Vice-Presidente, Ministro Benjamim Zymler, com quem pretendo compartilhar muitas de minhas apreensões e dividir os eventuais êxitos que me sejam atribuídos.

Senhoras e Senhores,

Não poderia encerrar minhas palavras, sem antes fazer agradecimentos mais que devidos, merecidos.

A Marcos Vilaça, que me saúda e maneja a palavra com generosidade revelando como conjuga lições de construção fraterna, no curso da vida material, com a imortalidade do espírito, donde retira os fios para bordar as letras e gravá-las no coração de cada um de nós.

Ao dileto amigo Lucas Furtado, Procurador-Geral junto a esta Corte, que nos conceitos emitidos a meu respeito traz o registro do carinho da conterraneidade e oportuniza a todos nós a satisfação com seu retorno ao nosso convívio.

A minha mãe e irmãos, por sua presença constante e incentivo incondicional.

À minha mulher, companheira não apenas dos bons momentos, mas fonte de inspiração para que eu perseverasse em dias mais difíceis.

Às minhas filhas, genros e netos, pela alegria de seu convívio, remanso onde recarrego minhas energias e encho de júbilo meu coração.

Ao povo cearense, a quem tanto devo e hoje presente a esta solenidade pelo que há de mais representativo, a expressão maior da minha gratidão.

Aos amigos, de quem sempre recebi apoio, estímulo e solidariedade, a certeza de que suas presenças em minha vida foram decisivas para fazer a difícil travessia das estações do tempo.

Por fim, dedico o dia de hoje à memória de meu pai, referência primeira em minha vida e paradigma para a formação de meu caráter.

Obrigado a todos e que Deus me abençoe e auxilie nesta nova jornada.

Nenhum comentário: