terça-feira, 21 de setembro de 2010

FICHA LIMPA: SUPREMO DISCUTE ALCANCE DO VOTO DE DESEMPATE


Ao julgar na próxima quarta-feira (22/9) a validade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10), o Supremo Tribunal Federal poderá discutir, pela primeira vez, o alcance do chamado voto de qualidade do presidente do tribunal. A possibilidade de um empate por conta da composição incompleta do STF deu início a uma série de discussões internas sobre o poder de o presidente da Corte desempatar o placar nos casos de declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos.

A possibilidade de o presidente do Supremo desempatar os julgamentos foi incluída no regimento interno da Corte em dezembro do ano passado, por meio de emenda regimental. De acordo com o artigo 13 das regras internas do tribunal, cabe ao presidente “proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o regimento interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a trinta dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o ministro licenciado”.

O constitucionalista Luís Roberto Barroso tem dúvidas acerca da validade do voto de qualidade, em si mesmo. Mas, partindo do princípio de que o mecanismo seja válido, ele entende que não há violação ao artigo 97 da Constituição, caso o STF limite-se a declarar que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada às eleições de outubro por conta da exigência de anterioridade da legislação eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição. “Penso que a hipótese seria de um caso simples de interpretação conforme à Constituição, e não de declaração de inconstitucionalidade, de modo que a questão não se colocaria”.

Para o secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, “não há que se falar em voto de desempate”. De acordo com o advogado, “o quórum qualificado de maioria absoluta para declarar a inconstitucionalidade de leis está expressamente previsto no artigo 97 da Constituição e é denominado pela doutrina de cláusula de reserva de Plenário”.

Marcus Vinicius sustenta que “a regra se aplica seja em controle concentrado de constitucionalidade, diante de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo, como em controle difuso, no julgamento de Recurso Extraordinário, como é o caso do julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa”.

Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Inocêncio Mártires Coelho, afirmou que é contrário à aplicação do voto de desempate em casos de declaração de inconstitucionalidade: “É necessário ter maioria absoluta”, disse.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski tem a mesma opinião. Questionado pela ConJur, o ministro afirmou que “numa primeira reflexão sobre o tema, entendo que assiste razão ao eminente jurista Inocêncio Mártires Coelho”. De acordo com Lewandowski, “o regimento interno do STF deve ser interpretado à luz do artigo 97 da Constituição, o qual determina, com todas as letras, que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros o tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo”.

Ainda segundo o presidente do TSE, “o espírito dessa regra tem em mira proteger o equilíbrio e a harmonia entre os poderes, bem como favorecer a presunção de constitucionalidade de que gozam as leis e os atos normativos. O voto de minerva previsto no regimento interno da Suprema Corte só pode ser utilizado excepcionalmente, em situações de urgência e, mesmo assim, nos casos em que o tribunal não declare a inconstitucionalidade de normas”.

Para o ministro Marco Aurélio, contudo, não será necessário discutir o alcance do voto de qualidade. “No caso em julgamento, não se apresenta a questão da inconstitucionalidade da lei”, afirmou. De acordo com o ministro, o Plenário discutirá se a lei pode alcançar uma renúncia pretérita. Ou seja, se o candidato que renunciou para escapar da possível cassação antes de a nova lei entrar em vigor pode ser considerado inelegível.

“A lei é categórica ao fixar a inelegibilidade àqueles que renunciarem. O emprego do verbo está no futuro. Se aplica aos que renunciarem, não aos que tenham renunciado. O entendimento do TSE resultou de uma interpretação de que a lei retroage, não de uma declaração de constitucionalidade”, sustenta Marco Aurélio.

Caso Roriz
O Supremo julgará na quarta-feira o recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), contra a decisão do TSE que rejeitou seu registro por quatro votos a dois. Será a primeira vez que o STF se debruça sobre a matéria.

Roriz foi enquadrado na nova legislação em razão da renúncia ao mandato de senador em 2007, pouco antes de o Senado decidir se abriria processo por quebra de decoro parlamentar contra ele. A Justiça Eleitoral entendeu que ele renunciou para escapar do processo, o que pela nova lei é um critério de inelegibilidade.

Joaquim Roriz foi eleito senador em 2006, com 51,83% dos votos válidos. Seu mandato terminaria em 2014. De acordo com a nova regra, o prazo de oito anos em que o político fica inelegível começa a contar de quando terminaria seu mandato. Logo, Roriz não poderia concorrer a nenhum cargo eletivo até 2022. A proibição de concorrer às eleições para os políticos sob investigação administrativa que renunciam ao mandato está prevista na letra k do artigo 1ª da lei.

De acordo com o dispositivo, são inelegíveis “o presidente da República, o governador de Estado e do Distrito Federal, o prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura”.


(Por Rodrigo Haidar, do CONJUR)

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